Tuesday, February 13, 2007

O dia a seguir à vitória


No dia a seguir à vitória estamos todos um bocadinho neo-realistas.

Os nossos olhos, lacrimejantes, comovidos, estão neo-realistas,

a fruta nas mercearias e nos mercados está neo-realista.

Até o sol, brilhando lá no alto para todos nós, está neo-realista,

é uma alegria.

No dia a seguir à vitória somos todos irmãos,

irmãs,

todos nos amamos olhos nos olhos,

sorrindo.

No dia a seguir à vitória todos praticamos incesto

alegremente

e ninguém se sente culpado neste país de

Marias Eduardas e de Carlos Eduardos.

No dia a seguir à vitória o mundo é amplo e

até a rua mais vazia é um mar de gente e

não há carros.

No dia a seguir à vitória tu atendes os meus telefonemas e

és simpática para comigo.

No dia a seguir à vitória somos felizes e

ninguém se importa que o autocarro esteja atrasado

nem que chova ou faça sol

nem que os camiões do lixo estejam em greve

há mais de duas semanas.

No dia a seguir à vitória confiamos em toda a gente,

até naqueles que,

a olhos vistos,

nos querem como sempre enganar e

roubar

a esperança, a voz, a alegria de viver.

No dia a seguir à vitória todos fazemos poemas com palavras esdrúxulas e

rimas em ar e

ninguém se sente ridículo.

No dia a seguir à vitória,

faça chuva ou faça sol,

vamos todos para o emprego de mangas arregaçadas.

No dia a seguir à vitória as crianças desobedecem aos pais e

é assim mesmo que deve ser.

No dia a seguir à vitória ninguém tem medo que seja tarde

para fazer o que nunca ousámos sequer pensar.

No dia a seguir à vitórias não há ressaca,

por muito mau que seja o vinho que bebemos

na hora de festejar.

No dia a seguir à vitória ainda estamos um bocadinho felizes

e ainda

não

deixámos

de

acreditar.