No dia a seguir à vitória estamos todos um bocadinho neo-realistas.
Os nossos olhos, lacrimejantes, comovidos, estão neo-realistas,
a fruta nas mercearias e nos mercados está neo-realista.
Até o sol, brilhando lá no alto para todos nós, está neo-realista,
é uma alegria.
No dia a seguir à vitória somos todos irmãos,
irmãs,
todos nos amamos olhos nos olhos,
sorrindo.
No dia a seguir à vitória todos praticamos incesto
alegremente
e ninguém se sente culpado neste país de
Marias Eduardas e de Carlos Eduardos.
No dia a seguir à vitória o mundo é amplo e
até a rua mais vazia é um mar de gente e
não há carros.
No dia a seguir à vitória tu atendes os meus telefonemas e
és simpática para comigo.
No dia a seguir à vitória somos felizes e
ninguém se importa que o autocarro esteja atrasado
nem que chova ou faça sol
nem que os camiões do lixo estejam em greve
há mais de duas semanas.
No dia a seguir à vitória confiamos em toda a gente,
até naqueles que,
a olhos vistos,
nos querem como sempre enganar e
roubar
a esperança, a voz, a alegria de viver.
No dia a seguir à vitória todos fazemos poemas com palavras esdrúxulas e
rimas em ar e
ninguém se sente ridículo.
No dia a seguir à vitória,
faça chuva ou faça sol,
vamos todos para o emprego de mangas arregaçadas.
No dia a seguir à vitória as crianças desobedecem aos pais e
é assim mesmo que deve ser.
No dia a seguir à vitória ninguém tem medo que seja tarde
para fazer o que nunca ousámos sequer pensar.
No dia a seguir à vitórias não há ressaca,
por muito mau que seja o vinho que bebemos
na hora de festejar.
No dia a seguir à vitória ainda estamos um bocadinho felizes
e ainda
não
deixámos
de
acreditar.